A demanda por serviços digitais e de dados continua a crescer a um ritmo sem precedentes. De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), o número de usuários da Internet em todo o mundo mais que dobrou desde 2010, enquanto o tráfego da Internet aumentou 20 vezes.

Apesar das grandes melhorias de eficiência, as cargas de trabalho tratadas por grandes data centers aumentaram o consumo de energia em 20 a 40% ao ano desde 2020. À medida que a adoção da inteligência artificial (IA) acelera, espera-se que o uso geral de energia do data center aumente em 200 TWh por ano entre 2023 e 2030. Isso levanta a questão de como os data centers lidarão com o aumento da demanda de energia enquanto aderem às suas ambiciosas metas líquidas zero?

Os operadores de data centers têm recorrido cada vez mais a contratos de compra de energia (PPAs) para ajudar a alcançar suas ambições verdes nos últimos anos. Esses acordos fazem com que grandes usuários de eletricidade baseada em combustíveis fósseis comprem uma quantidade equivalente de energia renovável para colocar de volta na rede e compensar suas emissões.

Os operadores de data centers são alguns dos maiores expoentes dos PPAs: a Amazon afirma ser a maior compradora corporativa de energia renovável do mundo e diz que apoiou mais de 500 projetos gerando 77.000 GWh de energia limpa a cada ano. A Microsoft, Google e Meta estão entre as outras empresas de tecnologia ativas no espaço PPA.

Mas nos últimos anos, o mercado de PPA tornou-se cada vez mais volátil, com fatores como tarifas, interrupções na rede de suprimentos e crescente concorrência aumentando os custos. Essa mudança transformou o que antes era um mercado comprador em um mercado que favorece os vendedores, forçando os operadores de data center a se adaptarem desenvolvendo novas estruturas de contrato PPA, apoiando tecnologias de energia inovadoras e implementando soluções inteligentes para gerenciar melhor seu consumo de energia. Esses desafios podem questionar a viabilidade de longo prazo dos PPAs no setor de data centers.

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Painel solar – Getty Images

PPAs versus geração no local

Para os data centers, os PPAs são essenciais para garantir energia renovável para substituir os combustíveis fósseis na rede, uma parte fundamental de suas estratégias de redução de carbono. Com grandes data centers agora exigindo mais de 100 MW de energia, os PPAs no setor costumam ser maiores do que em outras indústrias, frequentemente excedendo 100-200 MW de energia adquirida. Não apenas os PPAs estão ficando maiores, mas o volume assinado pelos operadores de data center está aumentando rapidamente.

Acordos notáveis assinados durante os últimos dois anos incluem a assinatura de vários PPAs pela Amazon com a desenvolvedora espanhola Iberdrola para obter energia de dois parques eólicos offshore na Alemanha – Baltic Eagle de 476 MW e Windanker de 300 MW – que fornecerão à Amazon 1,1 TWh de energia anualmente, indicativo do volume procurado pelas operadoras. No início do mês, assinou novos acordos para receber energia das instalações da Iberdrola na Espanha e em Portugal.

A maioria dos PPAs assinados no setor está vinculada a projetos eólicos e solares, pois são as fontes de energia renovável mais econômicas nos principais mercados. No entanto, como afirma Andrew Webber, CEO da Digital Power Optimization (DPO), a maioria dos data centers geralmente não recebe energia diretamente de ativos renováveis. Ele diz: "Muitos data centers usam PPAs virtuais (VPPAs) para comprar energia eólica ou solar, mas a energia real usada geralmente vem de combustíveis fósseis, pois a energia eólica ou solar é gerada longe da instalação".

O modelo de negócios da DPO é colocar data centers com projetos renováveis ociosos nos EUA para apoiar "suavizar preços baixos ou negativos, aumentando a receita geral do produtor".

Webber vê isso como uma situação vantajosa para ambas as partes, porque "se já houver um ativo eólico ou solar em desenvolvimento, vale a pena considerar a construção de um data center nas proximidades, especialmente em áreas remotas onde terrenos e subestações estão disponíveis, desde que a fibra possa ser executada a um custo razoável".

Isso reduz as preocupações associadas aos VPPAs de que as operadoras geralmente dependem de combustíveis fósseis para alimentar suas instalações, apesar de adicionar energia verde à rede.

Para Webber, os PPAs continuam sendo um componente essencial no esforço dos data centers para adquirir geração de energia verde. Mas, diz ele, "não há uma solução certa para atender às demandas de energia do data center". Ele explica: "Precisamos de uma combinação de estratégias, incluindo ativos renováveis, ação governamental e até nuclear, para enfrentar esses desafios".

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– Getty Images

Como resultado, em vez de colocar todos os ovos na cesta do PPA, os data centers devem procurar uma variedade de soluções para alimentar seus sites, desde a geração no local de ativos renováveis até a implementação de tecnologia emergente.

Mudando as preferências de tecnologia

A principal preocupação com os PPAs é que eles obtêm a maior parte de sua energia de ativos eólicos e solares, que são intermitentes por natureza. Como resultado, as operadoras começaram a explorar alternativas como energia geotérmica e hidrelétrica, que oferecem fluxo de energia mais consistente. Por exemplo, a Microsoft assinou um PPA de 10 anos em maio de 2023 para adquirir energia geotérmica para seus data centers na Nova Zelândia.

Essas fontes, no entanto, são geograficamente restritas, limitando sua disponibilidade a determinadas regiões. Como resultado, as operadoras têm procurado cada vez mais colocar suas operações em áreas com maior probabilidade de se beneficiar de um recurso renovável estável, levando à proliferação de data centers em áreas como os países nórdicos.

Além disso, os operadores de data center começaram a explorar pequenos reatores nucleares modulares (SMRs) como uma alternativa potencial aos PPAs renováveis tradicionais. Os desenvolvedores de SMR afirmam que podem oferecer uma solução mais competitiva em termos de custo do que as renováveis, embora a tecnologia ainda não tenha chegado ao mercado.

Várias grandes empresas de data center assinaram PPAs provisórios com empresas de SMR para apoiar suas operações. O mais notável é o Google, que assinou um contrato de fornecimento de 500 MW com a Kairos Power no ano passado. O acordo é crucial para o setor de SMR, de acordo com o CEO da Kairos, Mike Laufer, que afirmou: "A motivação do Google para ser o primeiro a usar nossa tecnologia mostra a agilidade dos operadores de data center para reconhecer a necessidade de fontes de energia inovadoras e confiáveis".

Portanto, embora os PPAs renováveis tradicionais continuem sendo a ferramenta dominante para garantir energia limpa, essas tecnologias emergentes podem remodelar o mercado.

Evolução das estruturas contratuais e dos modelos de parceria

A estrutura dos contratos PPA no setor de data centers evoluiu significativamente nos últimos anos, com contratos de longo prazo se tornando mais comuns.

Aaron Binkley, vice-presidente de ESG da Digital Realty, lança mais luz sobre isso, afirmando: "Você costumava ver negócios de curto prazo, como dez ou 12 anos, quando o mercado era mais favorável aos compradores. Agora, prazos de 15 a 20 anos são muito mais comuns, pois os desenvolvedores têm menos flexibilidade para oferecer contratos mais curtos".

Um exemplo recente foi em setembro de 2023, quando a Microsoft garantiu 323 MW de capacidade do Witznitz Energy Park da Shell sob um contrato de 15 anos. A maioria dos fornecedores do mercado de PPA de data center são empresas de serviços públicos estabelecidas, como EDP, EDF, AES, Clearway e Dominion. Essa estratégia permite que os desenvolvedores façam parceria com empresas com fortes perfis de crédito e uma sólida base de infraestrutura de energia, o que ajuda a otimizar os custos de aquisição e agilizar os acordos para os compradores.

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SMR – Instance Architects

Além disso, as empresas de tecnologia começaram a formar parcerias para lidar com atrasos na rede de suprimentos e obstáculos de permissão. A Amazon assinou recentemente seu primeiro PPA para um projeto brownfield, convertendo uma mina de carvão em Maryland em uma fazenda solar. Ao investir diretamente no desenvolvimento de projetos, os operadores de data center podem garantir energia mais confiável para suas instalações sem depender de desenvolvedores terceirizados, que podem enfrentar atrasos na aprovação e conexão de seus projetos à rede.

Essa abordagem está ganhando força. Em maio de 2023, a Microsoft celebrou um CPPA de longo prazo com a SSE Renewables e a FuturEnergy Ireland para apoiar o desenvolvimento do Parque Eólico Lenalea na Irlanda. Essas mudanças nas estruturas e parcerias da PPA destacam as estratégias em evolução das operadoras de data center para garantir energia sustentável em meio a um mercado mais competitivo e restrito. No entanto, o setor ainda enfrenta desafios significativos, incluindo aumento dos custos de energia, limitações da rede e obstáculos regulatórios, que podem afetar sua aquisição de energia a longo prazo e metas de sustentabilidade mais amplas.

Desafios e gargalos

O mercado de PPAs enfrenta vários desafios, começando com inconsistências regulatórias entre regiões que complicam o desenvolvimento de projetos renováveis. Apesar dos esforços para agilizar os processos, os projetos geralmente enfrentam restrições na rede de suprimentos, limitações de uso da terra e esperas prolongadas por conexões à rede, com muitos projetos permitidos levando de 5 a 10 anos para se tornarem operacionais.

Esses atrasos contribuíram para o aumento dos custos de PPA, que são ainda mais exacerbados por tarifas, interrupções na rede de suprimentos e aumento da concorrência. "No setor de data centers, estamos vendo problemas não apenas com a interconexão de novos projetos renováveis, mas também com o atendimento às crescentes demandas de carga à medida que os data centers continuam a crescer rapidamente", afirma Binkley. Além disso, o alinhamento das estruturas de PPA com a evolução das metas de sustentabilidade corporativa e descarbonização adiciona complexidade às negociações de contratos.

Alguns argumentam que, embora os PPAs facilitem a expansão dos ativos de energia renovável, o desafio mais significativo está na integração desses recursos na rede e na adaptação do consumo de energia para mitigar a intermitência das fontes de energia renováveis. Como consumidores de carga de base, os data centers exigem um fornecimento constante de energia, o que é difícil de garantir com energias renováveis intermitentes. "O processo de licenciamento e interconexão tornou-se um gargalo crítico", observa Binkley, enfatizando os desafios que as concessionárias enfrentam para conectar novos projetos renováveis à rede.

Além disso, a maioria dos data centers está localizada longe de recursos renováveis, aumentando a necessidade de planejamento urbano renovável aprimorado ou realocação de data centers para mais perto de fontes de energia. Para Webber, esse é um problema significativo: "Adicionar energia solar aos data centers existentes é um desafio porque muitas vezes não há terra suficiente nas proximidades para instalações solares em grande escala e, mesmo que seja próxima, a transmissão continua sendo um problema", diz ele.

À medida que a demanda por dados cresce, é crucial desenvolver uma estratégia coerente para garantir energia verde suficiente, mantendo os compromissos de emissões líquidas zero. O rápido crescimento de dados, o aumento da demanda de energia e as metas de sustentabilidade corporativa estão transformando o mercado de PPA para data centers. Embora os PPAs continuem sendo uma ferramenta crucial para os operadores de data center, tecnologias emergentes como SMRs, geração no local e a necessidade de superar gargalos regulatórios e da rede de suprimentos estão remodelando o cenário do mercado.

No futuro, garantir energia renovável confiável será vital para sustentar o crescimento dos data centers e, ao mesmo tempo, atingir suas ambiciosas metas de descarbonização. Os operadores de data center terão que implementar uma abordagem altamente flexível para atender às metas crescentes de energia e às suas altas metas de descarbonização.