Demorar minutos para resolver problemas complexos que levariam anos ou até mesmo décadas para serem solucionados, esse é o poder revolucionário da computação quântica. Agora imagine ter essa capacidade sem precisar investir em equipamentos avançados, esse é o objetivo da nuvem quântica.
Ao mesmo tempo em que a computação quântica avança em seu desenvolvimento, também começam a surgir modos de democratizar o acesso a ela. Em meio ao contexto atual de popularização dessa tecnologia e de maior atenção a esses avanços, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 2025 como o Ano Internacional da Ciência e Tecnologia Quânticas.
Setores como farmacêutico, financeiro e de segurança cibernética se beneficiarão cada vez mais desse progresso. Problemas como a descoberta de novos medicamentos, a otimização de carteiras de investimento e o desenvolvimento de sistemas de criptografia inquebráveis não serão desafios tão grandes graças a uma computação quântica cada vez mais acessível.
“A nuvem facilita enormemente o acesso a esse tipo de tecnologia, pois a barreira de entrada para possuir um equipamento de milhões de dólares permanece nas mãos das grandes organizações. Agora, há uma janela de oportunidade que a nuvem torna possível, permitindo que empresas menores não fiquem para trás. O mesmo que aconteceu com a inteligência artificial ocorrerá com a computação quântica”, comenta Raúl Palacios, diretor da OneQuantum no Chile.
Grandes organizações já oferecem plataformas com acesso a essa tecnologia, mas que tipo de vantagem já é possível obter com esses serviços?
O nível de benefícios disponíveis atualmente não entusiasma tanto:
“Ainda não existe nenhum problema prático a nível industrial em que a computação quântica seja mais rápida que a clássica, ou seja, nenhuma empresa aplica algoritmos quânticos em vez de um clássico para obter lucro”, responde Roberto Campos Ortiz, investigador da Universidade Complutense de Madrid.
Sendo assim, por que uma empresa investiria nesse tipo de serviço de nuvem? Quem está acessando essas plataformas? Quem oferece essas soluções? E, o mais importante, quando o verdadeiro potencial quântico será aproveitado?
A revolução dos qubits
A computação quântica difere da tradicional por usar qubits, as unidades básicas de informação quântica, que, ao contrário dos bits clássicos, podem estar em superposição (representando 0 e 1 simultaneamente) e entrelaçados (afetando-se instantaneamente, mesmo à distância).
Isso permite que um processador quântico execute múltiplos cálculos ao mesmo tempo, tornando-se extremamente eficiente para problemas complexos, como simulações químicas e otimização de sistemas. Já os computadores clássicos processam dados de forma sequencial, testando uma possibilidade por vez.
No entanto, essas máquinas exigem grande investimento (dezenas de milhões de dólares) e, ainda que se tenha poder financeiro para comprar uma delas, é necessário contar com uma grande equipe de engenheiros eletrônicos, de telecomunicações, informáticos e físicos experimentais para fazer ajustes diários nesses computadores quânticos.
Essa tecnologia exige uma infraestrutura altamente especializada, já que os processadores precisam operar em condições extremamente controladas. Os qubits são sensíveis a interferências externas e requerem temperaturas próximas do zero absoluto (-273°C) para minimizar erros. Isso demanda o uso de refrigeração criogênica avançada, isolamento contra radiação eletromagnética e sistemas complexos de controle e correção de erros.
“Diversas áreas estão explorando as plataformas quânticas, com destaque para os setores financeiro, elétrico, automotivo e aeronáutico, que vêm realizando um número crescente de provas de conceito. É fundamental salientar que, no panorama global, a computação quântica ainda está em fase experimental, sendo empregada majoritariamente em estudos de viabilidade, sem uma presença consolidada em ambientes de produção. No entanto, essa situação tende a evoluir rapidamente”, comenta Rogério Ruivo, cofundador da DOBSLIT, empresa brasileira de serviços e tecnologias quânticas
Evolução em hardware e software
Atualmente, os trabalhos de pesquisa quântica estão divididos em dois temas principais: hardware e software.
Em termos de hardware, os pesquisadores buscam criar computadores de maior porte, ou seja, com mais portas quânticas, menor taxa de erro, maiores tempos de coerência etc. Para alcançar isso, estão sendo exploradas diversas tecnologias, como supercondutores, fótons, átomos frios e armadilhas de íons, entre outras, cada uma com suas próprias vantagens distintas.
"Atualmente, os computadores quânticos são muito pequenos, então a capacidade de executar algoritmos e carregar dados nos circuitos quânticos é reduzida. Por isso, não existe nenhum algoritmo quântico que seja superior a um clássico em um problema com aplicação prática (industrial). As principais linhas de pesquisa se concentram em melhorar a qualidade dos qubits, ou seja, torná-los mais robustos (mais tempo de coerência, maior tolerância a erros quânticos etc.)", afirma Roberto Campos Ortiz.
A pesquisa em software tem como objetivo desenvolver algoritmos que, embora se apliquem a problemas de pequena escala, apresentem uma alta complexidade e ofereçam uma vantagem significativa sobre os algoritmos clássicos.
"Pode-se dizer que, por um lado, tenta-se que o hardware (os computadores quânticos) seja maior e, por outro lado, que o software (os algoritmos quânticos) seja menor, mas com vantagem. Quando hardware e software se encontrarem, chegaremos ao ponto no qual os computadores quânticos superam os clássicos", comenta Roberto.
Vale mencionar que, quando se desenvolve um algoritmo quântico, nem sempre ele é testado em um computador quântico devido ao seu tamanho, ruído e instabilidade. Em vez disso, são utilizados simuladores maiores e mais baratos para prever os resultados. Os fornecedores oferecem simuladores quânticos na nuvem, que funcionam em computadores clássicos e replicam o comportamento dos computadores quânticos.
"A oferta de serviços de computação quântica em nuvem ainda se encontra em estágio inicial, refletindo o baixo nível de maturidade da própria tecnologia. O número de computadores quânticos avançados disponíveis é reduzido, e as plataformas existentes apresentam limitações tanto em termos de usabilidade quanto de acessibilidade. No entanto, esse cenário vem evoluindo rapidamente", avalia Rogério Ruivo.
Quem está por trás da nuvem quântica?
Com os altos custos e desafios técnicos envolvidos para construção e manutenção, o desenvolvimento da computação quântica está concentrado nas mãos de grandes empresas, instituições acadêmicas e agências governamentais.
Em nível acadêmico, destacam-se entidades com renome global como MIT, Universidade de Waterloo e Perimeter Institute, além de agências governamentais, como a National Quantum Initiative dos EUA e o Quantum Flagship da União Europeia, que financiam e promovem avanços na área.
Entre as empresas que oferecem acesso à tecnologia, a IBM é um nome de protagonismo, com iniciativas pioneiras e serviços oferecidos em sua plataforma que aproveitam seus próprios computadores quânticos.
Os gigantes globais do mercado de nuvem, como Microsoft, Amazon e Google, também figuram entre os principais. Alguns deles produzem seus próprios chips e computadores quânticos, enquanto outros trabalham em parceria com variados proprietários de hardware, permitindo que pesquisadores, desenvolvedores e empresas tenham acesso a distintos serviços.
Em diferentes países, empresas desenvolvem suas estruturas quânticas e servem como fornecedores dessas tecnologias. Vale mencionar nomes como Xanadu (Canadá), IonQ (Estados Unidos), Pasqal (França), Fujitsu (Japão).
"Existe um pequeno número de fornecedores de hardware quântico, mas que oferecem diferentes tecnologias. Assim, para o mercado 'reduzido' que existe em computação quântica e no qual apenas são realizadas provas de conceito, os serviços atendem amplamente à demanda. Especialmente destacável é a plataforma aws-braket (Amazon), que permite executar trabalhos (algoritmos) em plataformas de vários fornecedores e escolher a que melhor se ajusta a cada caso", declara Roberto Campos Ortiz.
A qualidade dessas plataformas tem duas faces. Por um lado positivo, elas permitem o acesso, entregam resultados aparentemente coerentes e possuem interfaces intuitivas para quem tem conhecimento em computação quântica. No entanto, seu desempenho ainda é limitado, já que o hardware atual não permite executar algoritmos complexos com uma vantagem prática real.
A boa notícia é que essas plataformas são altamente escaláveis, o que significa que, à medida que o hardware evolui, elas poderão suportar algoritmos mais avançados sem grandes modificações. Além disso, o ecossistema continua crescendo, com novos fornecedores que desenvolvem e publicam melhorias constantes em suas tecnologias.
"A IBM planeja lançar os chamados quantum-centric data centers, uma iniciativa que poderá ampliar significativamente a disponibilidade e a eficiência desses serviços. Paralelamente, a DOBSLIT está desenvolvendo o Bongo, uma nova plataforma de nuvem voltada para a computação quântica, que busca otimizar o aproveitamento desses sistemas por meio de provas de conceito acessíveis, modificáveis e compreensíveis para usuários industriais. Criado no contexto do programa de aceleração UpLab SENAI, o Bongo tem como propósito facilitar a adoção da computação quântica na indústria, conectando empresas a uma capacidade de processamento antes inacessível", conta Rogério Ruivo.
Desafios e limitações atuais
O desenvolvimento de hardware quântico confiável e escalável é um dos maiores obstáculos, já que os sistemas atuais sofrem com erros de processamento e a necessidade de resfriamento extremo. Além disso, os algoritmos clássicos ainda são mais eficientes para a maioria das tarefas, tornando essencial a criação de novos métodos que aproveitem melhor o poder dos qubits.
Apesar da crescente capacidade de processamento, muitos sistemas quânticos ainda são sensíveis ao ambiente em que estão hospedados e são sistemas altamente técnicos que podem levar muito tempo para serem reparados. Os processadores quânticos super-resfriados normalmente exigem vários dias de inatividade, pois os refrigeradores nos quais estão alojados podem levar muitas horas para esfriar e aquecer.
Outro desafio é a segurança. A computação quântica é capaz de quebrar os sistemas de criptografia atuais, o que levanta preocupações sobre a proteção de dados sensíveis. Para mitigar esses riscos, pesquisadores trabalham em criptografia pós-quântica, que busca garantir a segurança digital em um mundo onde os computadores quânticos sejam comuns. Além disso, a falta de profissionais qualificados na área representa uma barreira para a adoção em larga escala, tornando essencial o investimento em educação e capacitação.
Se não há benefícios práticos, por que usar a nuvem quântica?
Dado que a computação quântica ainda não oferece vantagens práticas evidentes, é difícil imaginar que pequenas empresas ou usuários comuns possam acessar serviços de computação quântica na nuvem. No entanto, tanto uma pequena quanto uma grande empresa poderiam se beneficiar da computação quântica de forma semelhante.
“Quando a IA chegou, as empresas que se anteciparam tiveram uma vantagem competitiva em relação às que não o fizeram. O mesmo acontece com a computação quântica, há empresas que começam a desenvolver algoritmos com vantagem para problemas muito pequenos e distantes daqueles que realmente resolvem atualmente, mas que sabem que, quando a tecnologia dos computadores quânticos amadurecer, serão capazes de usar esses mesmos algoritmos (com pequenas variações) sobre problemas de interesse industrial”, afirma Roberto Campos Ortiz.
Para Rogério Ruivo, embora a computação quântica em nuvem esteja em expansão, seus custos ainda são elevados, o que restringe seu acesso para pequenas empresas e usuários individuais: “Além dos altos preços, há também a limitação da disponibilidade, com filas de espera frequentes para a utilização dos computadores quânticos. No entanto, essa realidade tende a se modificar com o tempo, seguindo a trajetória comum das inovações tecnológicas, que começam como recursos escassos e dispendiosos, mas gradualmente se tornam mais acessíveis”, explica.
Apesar da falta de benefícios práticos até o momento, é importante observar que existem certos problemas artificiais (projetados especificamente para tornar a computação quântica mais rápida) nos quais a supremacia quântica foi demonstrada (um algoritmo quântico mais rápido que sua contraparte clássica).
“Acredito que a pesquisa em algoritmos quânticos é a área mais favorecida pelo uso de computação na nuvem. Muitos grupos de pesquisa, como o meu na Complutense, não podemos nos dar ao luxo de testar nossos algoritmos e ficar pedindo constantemente aos fornecedores de hardware quântico que nos digam os resultados desses algoritmos nos computadores quânticos. Então, ‘alugamos’ tempo de execução nos computadores ou simuladores quânticos para testar nossos resultados. É muito curioso ver o número de trabalhos executados e artigos publicados com resultados de execuções nos computadores quânticos na nuvem da IBM. É um volume que cresce ano após ano e que nem os próprios diretores da IBM esperavam quando lançaram essa tecnologia”, acrescenta Roberto.
O futuro da nuvem quântica
Segundo a previsão da International Data Corporation (IDC) para o mercado global de computação quântica, os investimentos dos clientes nessa tecnologia aumentarão de US$ 1,1 bilhão em 2022 para US$ 7,6 bilhões em 2027.
Além disso, a IDC projeta que os investimentos nesse mercado crescerão a uma taxa de crescimento anual composta de 11,5% entre 2023 e 2027, atingindo quase US$ 16,4 bilhões até o final do período. Essa previsão engloba aportes de instituições públicas e privadas, despesas internas (P&D) de fornecedores de tecnologia e serviços, além de financiamentos externos de capitalistas de risco e empresas de private equity.
Nos próximos 20-30 anos, a computação quântica se concentrará em resolver problemas de alta complexidade, semelhantes aos abordados pelos supercomputadores (HPC). Os algoritmos quânticos serão aplicados em áreas como a química quântica (para determinar o estado e a energia de moléculas, prever propriedades etc.), desenvolvimento de fármacos, otimização de reações químicas, novos materiais para baterias, simulação de propriedades físicas (como entrelaçamento e superposição) e problemas de otimização, busca e machine learning.
"Com o ritmo de avanço que temos na pesquisa, a tendência é que a adoção cresça significativamente até 2030. Há também modelos públicos que facilitam essa evolução. A maioria dos países mais desenvolvidos já definiu algum tipo de plano nacional e autorização de sistemas criptográficos. Esse tema será impulsionado fortemente devido à criptografia quântica. Em particular, a Europa tem um grande potencial nesse sentido, em contraste com a América Latina, que está um pouco atrás nesse processo", projeta Raúl Palacios.
Roberto concorda com a previsão de Raúl, mas ressalta a incerteza quanto ao futuro da tecnologia: “Em resumo, o principal objetivo é alcançar uma aplicação prática da computação quântica a curto prazo (3 a 5 anos). Isso se alinha com os roadmaps publicados por empresas como Google ou IBM, que esperam ter computadores quânticos de grande porte operacionais até 2030. A principal preocupação é, justamente, não atender a essas expectativas e que alguém comprove que a computação quântica, que em teoria funciona, na prática não oferece nenhuma vantagem sobre a computação clássica atualmente conhecida".
Apesar das limitações e incertezas, os avanços que integram a computação quântica e a nuvem indicam um futuro promissor. À medida que a tecnologia evolui, espera-se que mais empresas possam se beneficiar, tendo acesso a novos recursos para fazer análises mais profundas e identificar padrões em conjuntos de dados massivos de maneiras que antes eram impensáveis, impulsionando a inovação e a tomada de decisões informadas.
Paralelamente aos estudos científicos e acadêmicos, empresas como Google e IBM projetam que, na próxima década, os computadores quânticos alcançarão o ponto de supremacia quântica, superando significativamente os computadores clássicos em diversas aplicações. Nesse contexto, a nuvem surge um caminho que viabilizará um futuro digital mais inteligente, conectado e inclusivo.