O glass storage, também conhecido como armazenamento 5D, é daquelas tecnologias que ainda estão longe de se popularizarem, mas que já indicam um futuro quase utópico. Não é à toa que a Microsoft vem investindo esforços (e muitos dólares) no Project Silica, prometendo desenvolver a solução para uma densidade de armazenamento extremamente alta e uma durabilidade de dezenas a centenas de milhares de anos.

Baseado em gravação por laser em discos de vidro nanostruturado, o armazenamento 5D oferece um nível muito elevado de compactação. Seu nome se explica pelo fato de conter dados armazenados em cinco dimensões: as posições tridimensionais (x, y, z) e outras duas propriedades ópticas – intensidade e polarização da luz.

Pulsos de laser ultrarrápidos (femtosegundo) gravam dados formando nanoestruturas internas nos discos de vidro compostos de materiais com alta resistência térmica e estabilidade química, como o quartzo.

Em 2013, a Universidade de Southampton demonstrou um sistema de armazenamento em vidro com capacidade de 300 KB e, desde então, propôs a possibilidade de discos que alcançariam até 360 TB, com durabilidade estimada em bilhões de anos; a Microsoft, por sua vez, já confirmou versões com 4 TB e 7 TB, destacando o potencial dessa tecnologia para o armazenamento duradouro e viável de dados no futuro.

Além disso, sua durabilidade extrema garante a preservação das informações a um prazo hoje inimaginável, mesmo sob condições extremas, como temperaturas de 1.000 °C.

Até hoje, o desenvolvimento dessa tecnologia está concentrado em poucas iniciativas, como resume Reges Hengen, pesquisador do Departamento de Informática da Universidade da Beira Interior, em Covilhã, Portugal, autor de um estudo sobre o tema:

“A Microsoft atribui grande importância ao desenvolvimento da tecnologia e considera o armazenamento 5D como protagonista de uma nova era de dados. Por enquanto, trabalham no contexto de armazenamento de dados históricos, com foco em empresas, questões científicas e governos. De forma prática, a Microsoft fez uma parceria com a Warner Bros. para a gravação do filme Superman de 1978 em um disco de vidro. Há informações também sobre a empresa Hitachi que também desenvolveu um método de gravação a laser em discos de vidro. Existem iniciativas em universidades como Harvard e, especialmente, na Universidade de Southampton, com o projeto denominado 'Eternal 5D Optical Storage'", comenta Reges à DCD.

Essa novidade surgiu mais de uma década atrás, quando pesquisadores da Universidade de Southampton descobriram uma propriedade até então desconhecida do vidro. Eles perceberam que o uso de pulsos de femtossegundos poderia deixar deformações precisas, e a mudança na polarização do laser alterava a orientação dessas marcas, que poderiam então ser "lidas" por um microscópio, interpretando as “cicatrizes” no vidro como dados.

A Microsoft fez uma parceria com a universidade inglesa para a primeira iteração do que viria a ser conhecido como Project Silica, mas desde então seguiu em frente sozinha e se tornou a grande responsável por desenvolver essa tecnologia.

"Você poderia colocá-lo na água fervente ou em um forno, poderia inclusive arranhar a sua superfície, e ele continuaria capaz de manter os dados intactos”, conta Ant Rowstron, integrante do grupo de pesquisadores do Project Silica, em um vídeo impressionante divulgado pela Microsoft em 2023.

O sistema é dividido em quatro áreas. A primeira etapa ocorre no Write Lab, onde os dados são inseridos no vidro com lasers de pulso curto. Eles são codificados nos chamados voxels, que são como pixels tridimensionais.

A fase seguinte é realizada no Read Lab, onde os dados gravados no vidro são lidos por meio de microscópios controlados por computadores de alta velocidade e precisão.

A terceira etapa envolve o Decode Lab, o laboratório onde as informações gravadas no vidro são processadas para decodificar os símbolos.

A quarta fase, então, ocorre no Library Lab, a 'biblioteca' que recebe o vidro após ele ter sido gravado, lido e decodificado. Quando um dado for solicitado, um robô é ativado para buscar a peça de vidro que contém a informação e levá-la a um leitor.

Project Silica Microsoft
Robô se movimenta nas prateleiras da "biblioteca de vidro" do Project Silica – Sebastian Moss

"Não há eletricidade nas unidades de armazenamento, o que torna esse processo uma forma muito mais sustentável de guardar os dados do futuro", afirma David Sweeney integrante do projeto na publicação da Microsoft.

O uso de vidro como material base diminui a dependência de recursos não renováveis e o impacto ambiental em comparação com dispositivos tradicionais. Essa tecnologia não depende de manutenção contínua, energia para refrigeração ou substituições frequentes, “contribuindo para a sustentabilidade dos data centers, que atualmente representam uma parcela significativa do consumo global de energia“, como afirma o estudo realizado por Reges Hengen e Rene Jerez.

A pesquisa também destaca que os materiais utilizados na fabricação dos discos, como quartzo, são mais abundantes e têm menor impacto ao meio ambiente do que os metais raros empregados em HDDs e SSDs.

“O grande desafio da tecnologia para chegar ao campo empresarial, ou até mesmo aos consumidores domésticos, é a compactação e descompactação dos dados. A latência de extração e gravação faz com que a tecnologia, no estágio atual, ainda não seja competitiva com as tecnologias já consolidadas”, afirma Reges Hengen.

Os pesquisadores da Universidade da Beira Interior mencionam que “o processo de gravação e leitura, embora extremamente preciso, é relativamente lento, o que limita sua aplicação em cenários que exigem rápido acesso aos dados”. Também destacam o custo inicial da tecnologia, que ainda é elevado devido à necessidade de contar com lasers ultrarrápidos e equipamentos ópticos especializados. Outra barreira é a falta de padronização industrial, que pode dificultar a adoção em larga escala.

Mesmo diante dos desafios para a adoção em massa dessa tecnologia, a expectativa é de que o seu desenvolvimento redefina os limites de armazenamento, justificando os esforços da Microsoft, que está nos estágios iniciais de considerar o lançamento do produto por meio de sua nuvem Azure.