A IA Generativa já é uma realidade na economia global. Do setor da saúde ao de Data Centers, passando pelos aplicativos bancários, a Inteligência Artificial é uma ferramenta extremamente útil para quem souber e tiver a capacidade de usá-la.

O relatório da McKinsey de 2023 sobre as possibilidades da IA Generativa menciona o potencial da tecnologia de mudar a própria anatomia do trabalho. Segundo o relatório, é possível que sejam automatizadas funções que atualmente consomem de 60% a 70% do trabalho de um funcionário. As previsões anteriores indicavam que a porcentagem seria de 50%. A capacidade cada vez maior da habilidade da IA de entender a linguagem natural é a responsável por esse aumento. As possibilidades são inúmeras em todos os campos, mas é preciso tomar muito cuidado com as questões éticas e a sombra da automatização maciça e substituição de empregos.

IA, ética e o trabalho

O banco de investimentos Goldman Sachs elaborou um relatório para seus clientes em que prevê que até 300 milhões de empregos em tempo integral em todo o mundo podem ser automatizados de alguma forma pela inteligência artificial que gerou plataformas como o ChatGPT. Os economistas do banco responsáveis pelo estudo indicam que 18% do trabalho em todo o mundo pode ser informatizado e esses efeitos serão mais sentidos nas economias mais avançadas do que nas emergentes. E isso porque, evidentemente, os trabalhos ameaçados pela IA não são as ocupações fisicamente exigentes e ao ar livre, como construção e reparos. De acordo com o Goldman, nos Estados Unidos e na Europa, aproximadamente dois terços dos empregos atuais “estão expostos a algum grau de automação da IA” e até um quarto de todo o trabalho pode ser feito completamente pela IA.

Nesse sentido, é interessante o pensamento elaborado pelo ex-ministro das Finanças grego Yanis Varoufakis sobre a automatização e o capital em nuvem. Claro que a perspectiva de Varoufakis é muito mais radical, mas as empresas que começam a utilizar maciçamente a IA precisam se debruçar sobre isso. Os trabalhos serão automatizados, não é mais uma questão de “se”, mas sim de “quando”. E teremos uma enorme quantidade de pessoas à margem do mercado de trabalho incapazes de conseguir empregos, mesmo os mais simples – são justamente esses que tendem a desaparecer, aliás – enquanto uma minoria bem treinada fica com os melhores.

Paul Gampe, diretor de tecnologia da Console Connect, em artigo para a DCD, coloca alguns riscos que a utilização da IA pode trazer. Segundo Gampe, a falta de supervisão ao implementar modelos de IA generativos na nuvem pode facilmente levar a erros e violações. Ou seja, as empresas entram de cabeça no mundo da Inteligência Artificial e não levam em consideração os riscos que essa escolha traz. Há também o sério problema da exposição potencial de dados de clientes e outras informações críticas. Em outras palavras, a confiabilidade da IA generativa depende de como as empresas a usam. Quem tem acesso aos dados e onde está disponível a rastreabilidade da aprovação desses dados?

Marcelo Wagner
Marcelo Wagner, SONDA

Modernizando os Data Centers

Além de todas essas questões éticas e de trabalho, existe a parte prática e técnica. Afinal, outro grande desafio é o aumento da densidade do rack, ou o total de quilowatts de equipamentos de TI em um rack, e, portanto, a quantidade de calor que precisa ser dissipada. O já mencionado estudo da McKinsey projeta que serão necessários por volta de 35 GW de capacidade de energia de Data Center em nuvem até 2030 para atender à demanda de IA, em comparação com os 17 GW necessários no final de 2022. Para isso é muito importante que as construções dos Data Centers sejam novas, e não velhas estruturas reaproveitadas, o que significa mais desafios na escolha de locais para essas novas instalações – o que não é fácil –, lidar com as diferentes regulamentações de aquisição de terras e construção dos países pelo mundo.

O que dizem os especialistas?

O assunto é complexo e não há uma só opinião válida. A DCD falou com vários especialistas do setor para elaborar um panorama mais claro. Em relação ao desafio de saber qual é a melhor opção, novas construções ou o reaproveitamento de estruturas já construídas, Marcelo Wagner, gerente de facilities de Data Center da SONDA, diz que é importante considerar os prós e contras de cada abordagem ao escolher entre a criação de novos Data Centers e a reutilização de estruturas já existentes. Segundo Marcelo, a construção de novos Data Centers permite planejar instalações sob medida para atender às necessidades atuais e futuras de energia e refrigeração, bem como incorporar as mais recentes inovações em eficiência energética. A adaptação de edifícios existentes pode ser uma alternativa mais correta, ecologicamente falando, mas as estruturas precisam ser modernizadas eficazmente para suportar as demandas de um Data Center atualizado. Para o executivo, o essencial é que as organizações estejam prontas para enfrentar os obstáculos ligados à atualização e ampliação dos Data Centers. Isso significa assegurar uma infraestrutura elétrica resistente o suficiente para atender às crescentes necessidades de energia, introduzir soluções de refrigeração eficazes para lidar com o calor produzido pelos equipamentos e incorporar medidas de gestão de energia e sustentabilidade para reduzir o impacto ambiental.

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Luciano Fialho, Scala Data Centers

Luciano Fialho, Vice-presidente Sênior de Desenvolvimento Corporativo da Scala Data Centers, diz que mesmo com adaptações e atualizações, no chamado retrofit, as instalações pré-existentes podem não ser adequadas para atender às novas exigências dos clientes em termos de capacidade de energia, soluções de refrigeração eficientes e outras demandas. O executivo ressalta que construções novas têm a vantagem de serem projetadas desde o início para atender a essas necessidades específicas dos clientes, enquanto os Data Centers existentes podem enfrentar limitações de espaço e infraestrutura.

Daniel Sperling, Gerente de Engenharia e Propostas da Ascenty, acredita que o reaproveitamento das instalações existentes é um desafio, mas é uma tarefa importante para promover a sustentabilidade e minimizar desperdícios desnecessários. Além disso, os Data Centers já contam com fornecimento de energia pela concessionária que não deve ser desperdiçado, considerando especialmente os grandes desafios enfrentados na área de energia.

Felipe Quintanilha, Senior Manager e Solutions Architect na Equinix, diz que é mais fácil atender as cargas de trabalho de grandes densidades em novas construções. Em muitos casos, porém, os Data Centers antigos podem ser adaptados. Para Quintanilha, o Brasil e o mundo enfrentam o desafio de encontrar qual a solução ideal, ou seja, aquela que oferece o melhor custo-benefício.

A DCD perguntou aos especialistas sobre as novas construções e como lidar com questões e problemas na escolha de locais para as novas aquisições, além das regulamentações de compra de terras. Daniel Sperling diz que a escolha de locais para a construção de Data Centers no Brasil apresenta desafios significativos além das considerações técnicas básicas. O país possui uma diversidade de regulamentações locais e nacionais que variam consideravelmente de uma região para outra. Além das questões regulatórias, as empresas também enfrentam desafios relacionados ao ambiente natural e à preservação ambiental. No Brasil a biodiversidade é abundante e áreas protegidas são comuns, o que significa que os Data Centers devem operar dentro dos limites estabelecidos pelas regulamentações ambientais. Isso pode exigir estudos de impacto ambiental detalhados, além de medidas para mitigar quaisquer efeitos negativos sobre o ecossistema local, de modo que as empresas precisam adotar uma abordagem cuidadosa e estratégica ao selecionar locais para novas construções de Data Centers.

Para Felipe Quintanilha, há no Brasil um interesse de muitas prefeituras em atrair Data Centers, uma vez que geram empregos, impostos e movimentam a economia local. Os entes públicos colaboram, sempre dentro dos trâmites legais, para a instalação de novos sites, pois entendem como algo positivo.

Luciano Fialho explica que a busca e aquisição de terrenos para construção de novos Data Centers apresenta desafios significativos, similares aos encontrados em muitos outros países, mas esses obstáculos podem ser superados através de uma abordagem estratégica e bem planejada. É necessário fazer uma análise cuidadosa dos locais, colaborar com autoridades locais e explorar incentivos governamentais para investimentos em infraestrutura. A flexibilidade e o planejamento detalhado, juntamente com a colaboração com stakeholders locais, são essenciais para o sucesso dos projetos de construção de Data Centers.

E Marcelo Wagner afirma que as organizações interessadas em construir novos Data Centers no território brasileiro devem encarar diversos obstáculos, que vão desde a escolha de locais apropriados até a certificação de que cumprem as normas locais e ambientais. Para Wagner, com um planejamento minucioso e parcerias estratégicas é possível superar grande parte desses desafios e estabelecer infraestruturas de Data Center eficazes e seguras.

Por fim, a DCD questionou o que fazer com as construções antigas de Data Center que não estão preparadas para lidar com a IA Generativa. Felipe Quintanilha explica que mesmo que a adaptação de um Data Center antigo não seja viável para atender aos requisitos da IA Generativa, ainda existirão outras cargas de trabalho que requerem processamento. Nem todos os servidores irão exigir, por exemplo, o resfriamento líquido. Cada site terá seu perfil específico e será direcionado para o atendimento das aplicações mais adequadas. Para as empresas de colocation, o importante será construir um portfólio em que suas ofertas se complementem de modo a atender a todas as necessidades dos seus clientes.

Cleber Braz
Cleber Braz, Scala Data Centers – Scala Data Centers

De acordo com Cleber Braz, VP Sênior, BuzDev e Experiência do Cliente da Scala Data Centers, os Data Centers de IA devem estar preparados para consumos de energia por rack cinco a dez vezes maiores do que temos hoje. Muitos dos sites construídos há 10, 15, às vezes mais de 20 anos, foram concebidos para uma realidade diferente. Desse modo, uma abordagem para os Data Centers antigos que não estão preparados para lidar com a IA Generativa é o retrofit. Mas Cleber Braz acredita que na maioria dos casos é mais vantajoso considerar a substituição dessas instalações por novas construções projetadas desde o início para acomodar as necessidades da Inteligência Artificial Generativa. Isso garante uma infraestrutura mais adequada e eficiente para lidar com os desafios e oportunidades apresentados por essa tecnologia emergente. Hoje, a questão é mais sobre olhar para o futuro do que ajustar o passado.

Na mesma linha, Daniel Sperling indica que é interessante realizar uma avaliação completa das instalações existentes para identificar áreas de melhoria e atualização. Por exemplo, muitos Data Centers mais antigos podem ter sistemas de refrigeração e ventilação obsoletos, que consomem mais energia e são menos eficientes. Nesses casos, investir em tecnologias mais modernas e eficientes, como sistemas de resfriamento líquido ou free cooling, ajuda a reduzir os custos operacionais e melhora a eficiência energética.

Marcelo Wagner afirma que em relação às infraestruturas antigas de Data Centers, é fundamental optar por uma estratégia de planejamento a longo prazo. Isso envolve a elaboração de um plano de ação para modernizar progressivamente a infraestrutura já existente, levando em consideração as necessidades futuras da Inteligência Artificial Generativa e outras tecnologias inovadoras. Para Wagner, é importante buscar a atualização da infraestrutura já existente que inclua melhorias nos sistemas de energia, refrigeração e rede, além da incorporação de tecnologias de computação de alta performance e da transferência de uma parte ou a totalidade de suas operações para fornecedores de serviços em nuvem que disponibilizam funcionalidades de IA Generativa. Finalmente, Marcelo Wagner acredita que em determinadas situações, pode ser mais vantajoso desativar os Data Centers antigos, que não possuem capacidade para lidar com a IA Generativa, e transferir suas operações para instalações mais modernas. Embora isso tenha um custo inicial, pode ser econômico e fornecer um desempenho superior no futuro.

As opiniões são variadas e as possibilidades, inúmeras. O setor de Data Centers será profundamente modificado com a evolução da Inteligência Artificial Generativa, como aliás quase todos os aspectos de nossas vidas. A IA veio para ficar. Resta saber como os players da indústria lidarão com esses desafios.